13 de janeiro de 2012

A inelegibilidade de prefeitos pela rejeição de contas na Lei da Ficha Limpa

A Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, alterou em vários pontos a Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90). Foram criadas novas hipóteses legais de inelegibilidade e ampliados os prazos de duração das condições já existentes, o que trouxe significativa alteração no texto que trata da inelegibilidade decorrente de rejeição de contas de prefeitos e demais agentes políticos.
O texto da Lei Complementar 64/90 estava assim redigido
“Art. 1º - São inelegíveis:    
I Para qualquer cargo:  
...
“g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão”
Como a Lei 64/90 não definiu o conceito de irregularidade insanável coube à jurisprudência buscar esta definição. Ficou consolidado tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que irregularidade  insanável é o ato doloso de improbidade administrativa de elevada gravidade e consequências para a administração pública, que cause prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito. A jurisprudência fixou, ainda, que é de competência da Justiça Eleitoral a análise do caso concreto de pedido de indeferimento do registro de candidatura quando decorrente de rejeição de contas, auferindo a insanabilidade da irregularidade. Embora reconhecida a irregularidade insanável como decorrente de ato de improbidade, a jurisprudência consolidou a não exigência, para efeitos de inelegibilidade, da condenação em Ação de Improbidade.
Com efeito, tinham os juízes e os tribunais eleitorais ampla discricionariedade para reconhecer a insanabilidade ou não da irregularidade apontada pelo Tribunal de Contas e julgadas pelo Legislativo. Ocorre que, pela Lei da Ficha Limpa, a hipótese de inelegibilidade decorrente de rejeição de contas passou a ter a seguinte redação:
“g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável QUE CONFIGURE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição” 
O que muda, portanto, é que o texto da Lei passa a prever expressamente que a rejeição de contas somente gera inelegibilidade por irregularidades que configurem ato doloso de improbidade administrativa. Não se trata mais de interpretação jurisprudencial, mas sim de imposição legal.
Como o parecer prévio do Tribunal de Contas é meramente uma peça de orientação administrativa sem cunho jurisdicional, ele não tem competência para fixar no parecer que analisa as contas se os fatos que o levaram a opinar pela desaprovação das contas constituem ato doloso de improbidade administrativa. 
No julgamento a ser proferido pelo Poder Legislativo – órgão constitucionalmente competente para julgar as contas do Executivo – também não cabe discutir se houve ato doloso, porquanto sua competência para julgar se limita aos crimes de responsabilidade, previstos no Decreto Lei 201/67.
Com a nova redação dada pela Lei da Ficha Limpa à alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei das Inelegibilidades, especialistas em Direito Eleitoral, com destaque para Alexandre Damásio Coelho –  com o qual concordo –, têm se posicionado no sentido de que a inelegibilidade para os que tenham contas rejeitadas somente ocorrerá quando se provar JUDICIALMENTE a existência de ato doloso de improbidade administrativa, não bastando para tanto mero ajuizamento de Ação de Improbidade: há que se ter a decisão judicial definitiva, a fim de encaixar o caso concreto à regra prevista na atual redação da Lei Complementar nº 64/90. Portanto, conclui-se que, de acordo com a Lei da Ficha Limpa, a rejeição de contas só gera inelegibilidade quando houver decisão judicial transitada em julgado, caracterizando a irregularidade que levou à rejeição das contas como ato doloso. 
Vale destacar ainda que a duração da inelegibilidade passou de cinco para oito anos a contar a partir do trânsito em julgado, que no caso presente é dada pela condenação por Ação de Improbidade Administrativa.
Diógenes Gori Santiago
Advogado especializado em Direito Eleitoral e Procurador Municipal
Fonte: Revista Gestor