7 de abril de 2011

Juiz acata mandado de segurança impetrado pelo Prefeito de Itirapina, contra a CP instaurada na Câmara Municipal.


06/04/2011                                        Despacho Proferido

Omar de Oliveira Leite, Prefeito Muncipal, impetra mandado de segurança contra o Presidente da Camara Municipal, alegando que em 30/03/11 foi citado em procedimento instaurado na forma do art. 5º do DL nº 201/1967, após a Câmara Municipal receber denúncia apresentada por dois cidadãos Itirapinenses. Aduz que, todavia, o ato que instituiu a comissão processante é formalmente nulo, uma vez que iniciado pelo voto de 05 dois 09 vereadores municipais, ou seja, por maioria simples, violando-se o disposto no art. 51, I da Constituição Federal, que deve ser observado no âmbito municipal por força do princípio da simetria, no art. 75 da Lei Orgânica do Município de Itirapina, e no art. 198, § 1º do Regimento Interno da Câmara Municipal. É o breve relato. A Lei Orgânica do Município de Itirapina não é expressa quanto ao quórum necessário para a instauração de processo de responsabilidade político-administrativa do Prefeito Municipal, pela Câmara de Vereadores. Isto porque o art. 9º, que estabele as competências privativas da Câmara Municipal, não trata da competência de “receber denúncia”, ou “admitir acusação”, ou “autorizar a instauração de processo” contra o Prefeito Municipal por infrações administrativas. Somente o inc. XII desse artigo trata de tal processo de cassação mas para definir a competência pertinente ao julgamento, e não à instauração do processo, fixando neste caso o quorum de 2/3 para a cassação. Já o art. 75, caput, estabelece que “nos crimes de responsabilidade e nas infrações comuns, recebida a denúncia ou queixa crime pelo Poder Judiciário, o Prefeito Municipal será afastado por aprovação de 2/3 dos membros da Câmara Municipal, até sentença final”. O caput, portanto, estabelece o quorum necessário para que o Prefeito Municipal seja afastado das funções, nada referindo no que concerne ao quorum para o recebimento da denúncia e instauração do processo político-administrativo. Já o § 2º desse mesmo dispositivo, mais uma vez, apenas cuida do quorum para a cassação do mandato, de 2/3. Tendo em vista o silêncio da Lei Orgânica, extrai-se que a intenção do legislador municipal foi a de que tal quorum seja de maioria simples. Isso diante do exposto no parágrafo único do art. 27, no sentido de que “a aprovação da matéria colocada em discussão, dependerá de voto favorável da maioria dos Vereadores presentes à sessão, ressalvados os previstos nesta lei”, e diante da regulamentação supletiva do art. 254 do Regimento Interno, segundo o qual o procedimento para a cassação do mandato será o mesmo do art. 5º do DL nº 201/1967, que, de seu turno, prevê a maioria simples para o recebimento da denúncia contra o Prefeito Municipal. A partir daí já se vê que o procedimento adotado pela Câmara Municipal, in casu, não violou o Regimento Interno ou a Lei Orgânica, como argumenta o impetrante, por tais motivos não seria caso de acolher-se a liminar. Todavia, o impetrante alega, também, que o quorum de 2/3 para a instauração de processo de cassação contra o Presidente da República, previsto no art. 51, I da Constituição Federal, e o quorum de 2/3 para a instauração de processo equivalente contra o Governador do Estado, previsto no art. 49 da Constituição do Estado de São Paulo, é norma de reprodução obrigatória na Lei Orgânica dos Municípios, por força da incidência, no caso, do princípio da simetria. Quanto a tal tese do mandamus, ao menos a título provisório, impõe-se o acolhimento da liminar, eis que relevante o fundamento apresentado, na forma do art. 7º, III da Lei nº 12.016/09. O princípio da simetria várias vezes foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal (RE 317574, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, j. 01/12/2010; RE 497554, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, j. 27/04/2010; ADI 858, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, j. 13/02/2008; ADI 2029, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, j. 04/06/2007; ADI 1353, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, j. em 20/03/2003), cabendo examinar se tem aplicação nesta questão concreta, concernente ao quorum para a instauração de processo de cassação contra Prefeito Municipal. O fundamento positivo do princípio da simetria, convém rememorar, encontra-se em passagens específicas do art. 25 e do art. 29, ambos da Constituição Federal, que transcrevo abaixo:Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. (grifo nosso)Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado (...) Tais dispositivos deixam claro que (i) a autonomia política dos Estados da Federação, aí incluída a competência de editar Constituição Estadual, não pode ferir os princípios da Constituição Federal (ii) a autonomia política do Município, inclusive para promulgar Lei Orgânica, não pode ferir os princípios da Constituição Federal e da Constituição Estadual respectiva. É bom frisar que os arts. 25 e 29 fazem referência a princípios, isto é, normas jurídicas que sejam de especial relevância, reveladoras dos alicerces do Estado Democrático de Direito, de modo que não é qualquer regra de menor importância que deve ser obrigatoriamente reproduzida, pena de aviltamento da própria autonomia que a Constituição Federal concede aos Estados e Municípios. Ocorre que, no caso em tela, segundo análise feita em cognição não exauriente e a título provisório, a não reprodução, em âmbito municipal, do quorum de 2/3 exigido para a instauração do processo político-administrativo contra o Presidente da República (art. 51, I, Constituição Federal) e contra o Governador do Estado (art. 49, Constituição do Estado de São Paulo), no âmbito local em relação ao processo de cassação do Prefeito Municipal, fere princípio fundamental da República Federativa do Brasil, qual seja, o da separação, independência e harmonia entre os Poderes. Intuitivo que a regra sobre o quorum necessário para a Casa Legislativa instaurar processo de cassação do Chefe do Executivo liga-se intimamente com a delicada questão da independência e harmonia entre os Poderes Públicos, princípio fundamental insculpido no art. 2º da Constituição Federal, verdadeira cláusula pétrea nos termos do art. 60, § 4º, III da Constituição Federal. Tal íntima relação é evidente: quanto menor o quorum exigido para a instauração do processo de cassação, mais fortalecido fica o Poder Legislativo diante do Chefe do Poder Executivo; quanto menor, mais fortalece-se este último. Urge salientar que a Constituição Federal estabeleceu inúmeros freios e contrapesos, um balanceamento delicado, cuidadoso, visando a harmoniosa relação entre os Poderes Públicos sem prejuízo das suas independências, e deixar-se ao âmbito de cada Município a possibilidade de estabelecer, acriteriosamente, em Lei Orgânica, quoruns diversos para a instauração de processo de cassação (ou mesmo para a cassação propriamente dita), importa em potencial desequilíbrio no jogo de forças regulamentado em ambito nacional, pela Carta da República. Daí se extrai a razoabilidade, à luz do sistema constitucional, de incidência do princípio da simetria no caso do quorum a que estamos referindo. Indo adiante, imperioso ressaltar que a matéria não é nova pois que já examinada pelo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em Votação Unânime, no Incidente de Inconstitucionalidade nº 174.819-0/3-00, em acórdão relatado pelo Desembargador ARMANDO TOLEDO, julgado aos 05.08.2009, julgou inconstitucional a Lei Orgânica do Município de Itararé justamente por autorizar o recebimento de denúncia contra o Prefeito Municipal com quorum de maioria absoluta, em afronta ao princípio da simetria por não reproduzir o quorum de 2/3 previsto na Constituição Federal e na Constituição Estadual. Cabe ressaltar que tal decisão adveio do mais alto órgão fracionário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o seu Órgão Especial. No mesmo sentido WALDO FAZZIO JUNIOR, ao expor: “O recebimento da denúncia se fará pelo voto de 2/3 dos membros da Câmara. Assim, se mesmo à vista dos dados incontroversos, a Edilidade entender melhor par ao interesse municipal não processar o Prefeito ou relevar a infração político-administrativa, nada impede que atue nessa conformidade. É matéria estritamente político-administrativa, repita-se. Dois terços por que, se o DL 201 contenta-se com a maioria dos presentes à sessão?Primeiro, porque, para a perda de mandato, seja na esfera federal, seja na estadual, exige-se o quórum de 2/3. (...)Então, quanto ao Prefeito, em observância ao princípio federalista da simetria com o centro, o quórum é de 2/3, a exemplo do que ocorre nos processos políticos pertinentes ao Governador do Estado-membro e ao Presidente da República. Trata-se de tema pacificado o de que as regras do DL 201 só foram recepcionadas pela Constituição Federal no que se refere ao quórum da condenação. Quanto à recepção da denúncia, como aquele diploma se contenta com a maioria simples, não se operou a recepção. Assim, prevalece o quórum constitucional de 2/3. Dispositivo de lei orgânica municipal que regular de modo diverso será inconstitucional. Aliás, não teria qualquer sentido a admissibilidade do processo por maioria dos presentes, quando seu julgamento final exige 2/3, ou seja, admitir-se o recebimento da denúncia por maioria simples e estipular necessidade de 2/3 para a cassação. Não é desarrazoado considerar o efeito emergente da repercussão negativa a que ficariam sujeitos o Prefeito e o Município, com a possibilidade de um pequeno contingente de Vereadores desestabilizar-lhe a gestão com o recebimento de qualquer denúncia por infração de responsabilidade. Ainda que, ao final do processo camarário, não adviesse a cassação de investidura, a instabilidade de repetidos processos seria extremamente indesejável para o desenvolvimento regular da atividade administrativa local”. (In Responsabilidade Penal e Político-Administrativa dos Prefeitos. Atlas. São Paulo: 2007. pp. 230-232)Igualmente, ANTONIO TITO COSTA observa: "É importante lembrar que o quorum para votação do recebimento da denúncia tem de ser de dois terços dos membros da Câmara, e não maioria absoluta dos presentes como dizia o Dec.-lei 201/67. E assim há de ser por duas razões, entre outras: em primeiro lugar, para que se cumpra a simetria entre situações semelhantes no âmbito federal e no estadual. O Município não pode, nesse particular, ter comportamento diferenciado, em desfavor da garantia do acusado. A Constituição, no art. 52, par. ún., assim no art. 86, exige o quorum de dois terços para a declaração de perda de mandatos federais. As Constituições dos Estado contemplam de maneira igual a exigência. Não haverá de ser diferente no âmbito municipal. O modelo federal impõe aos demais níveis dos poderes estaduais e municipais o paralelismo das formas, em decorrência da necessidade de rigoroso cumprimento das regras constitucionais.(in Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, 3ª Ed. RT. São Paulo: 1998, p. 249)Não bastasse, idêntica é a lição de MAURÍCIO BALESDENT BARREIRA: "o princípio da simetria impõe tratamento igual ao que dispensa o art. 86 da CF/88 ao Presidente e as Constituições Estaduais aos Governadores, carecendo de deliberação de 2/3 dos Vereadores e não de maioria dos presentes como consignado no decreto-lei” (In Direito Municipal Aplicado. Del Rey. 1997. p.172).Assentada relevância dos fundamentos do writ, salienta-se que também faz-se presente, no caso, o segundo requisito do art. 7º, III da Lei nº 12.016/09, qual seja, de que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida ao final. Isto porque são manifestos os transtornos pessoais, políticos e administrativos a que se submete o Prefeito Municipal em processo político de cassação, razão pela qual, havendo a relevância dos fundamentos, é de rigor a suspensão do procedimento impugnado até final decisão, para que não haja aviltamento do devido processo legal (art. 5º, LIV, Constituição Federal). Ante o exposto, DEFIRO a liminar e SUSPENDO os efeitos do ato de instauração de processo político-administrativo de cassação do Prefeito Municipal, no bojo da Câmara dos Vereadores, referido na inicial. Notifique(m)-se o(s) coator(es) do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe(s) a segunda via apresenta com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste(m) as informações. Dê-se ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada (Município de Itirapina) enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito. Findo o prazo para as informações do(s) coator(es), dê-se vista ao representante do Ministério Público, que opinará no prazo improrrogável de 10 (dez) dias. Com ou sem o parecer do Ministério Público, venham os autos conclusos para sentença. Servirá a presente, por cópia digitada, como mandado. Cumpra-se na forma e sob as penas da lei. Int.

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