22 de abril de 2011

Crônica da maior partida de futebol da história em Itirapina

O dia era 19 de maio de 1956, um sábado, o sol pintava o céu e a cidade da forma mais bonita que se pode imaginar.

Ali naquele campo aconteceria o que se tornaria a maior partida de futebol de todos os tempos.
O jogo valia pela final do campeonato paulista da 4º divisão, de um lado o time da casa, o Itirapinense, que acumulou a melhor campanha durante a primeira fase e jogaria a decisão em seus domínios. Do outro lado, o Lorenense time de segunda melhor campanha na primeira fase, ficando atrás do Itirapinense por apenas dois pontos.
Os times atropelaram literalmente todos os adversários até chegarem na final, o Lorenense contando com a segurança e experiência de seu capitão, o camisa 5 Comparato, que era um jogador tão genial e tão brilhante, que a imprensa da época dizia ser um absurdo Comparato ter que calçar chuteiras e calção para jogar futebol, afirmavam que com tanta elegância, ele deveria jogar as partidas vestindo terno e gravata.
Já o Itirapinense contava com os gols do seu artilheiro máximo ao longo da história, Atílio Marcondes, mais conhecido como, O Puskas Caipira, seu dom para fazer gols era tão notável que marcou, naquele campeonato, ao menos 2 gols em cada partida que disputou. Chegou-se a especular sua saída para jogar em um grande clube da Europa na época, as notícias não eram muito precisas, uns diziam Real Madrid, outros Estrela Vermelha, outros Ajax, mas ele declarou que jamais em sua vida defenderia outro clube que não o de sua querida e amada cidade.
A semana que antecedeu o jogo, foi de aflição nas duas cidades. Os habitantes não falavam em outra coisa que não o jogo que estaria por acontecer, em Itirapina, o prefeito declarou que nenhum comércio, escola, nada, com exceção do hospital e da igreja deveriam funcionar, pois não estava havendo retorno, ou seja, não se estava produzindo na cidade, porque a apreensão para o jogo era tanta que as pessoas não conseguiam se concentrar em absolutamente nada.
Em Lorena um padre acompanhou o treino durante todo o tempo antes de viagem para Itirapina e na véspera da viagem afirmou: - Nós vamos vencer, Deus me garantiu!
O jogo carregava em si tanta importância que não ficava restrito apenas as cidades de Itirapina e Lorena, o presidente Juscelino Kubitschek durante a semana disse que estaria com o ouvido colado no rádio acompanhando a partida, mas disse que não torceria pra nenhum dos times. Anos mais tarde, soube-se que o presidente dormia com uma camisa do Itirapinense, mas na época, Lorena era uma grande base de seu governo, e para não comprometer-se na presidência declarou neutralidade.
Antes da viagem da delegação do Lorenense, três pessoas foram presas pela polícia por suposto plano de tentar algo contra o ônibus da delegação, o caminho de aproximadamente 420 km percorrido pelo ônibus de Lorena a Itirapina foi escoltado por 11 viaturas da polícia militar e um avião de caça do exército.
O clima na cidade de Itirapina era completamente hostil na chegada da delegação do Lorenense, o hotel onde ficariam hospedados teve fortíssimo esquema de segurança. A torcida do Lorenense ficou hospedada no mesmo hotel que a equipe, pois nenhum dos dois era bem vindo em Itirapina.
Os técnicos mantiveram as equipes escondidas de imprensa, apenas eles deram entrevistas aos repórteres. O técnico do Itirapinense, o senhor Oduvaldo Braga, afirmou que os atletas encaravam aquela partida como uma guerra pela sobrevivência. Já o técnico do Lorenense, o senhor Eurismar Ferreira, mais experiente, torcia por um bom jogo e disse que tinha muita confiança na sua equipe.
Na quinta feira a noite um susto para o técnico do Itirapinense, pois um de seus mais experientes jogadores, o ponta direito Petrucchio sentiu um incomodo no calcanhar e chegou a ficar ameaçado de ficar fora do jogo. Mas para sorte, foi apenas um susto.
Então, o dia chegou, o estádio em Itirapina estava tomado, os torcedores que não conseguiram entrar ficaram prostrados do lado de fora, acompanhando por rádios o que acontecia.
O técnico Eurismar deu uma palestra tranqüila para seus atletas, fez questão de tentar mostrar-lhes que aquilo que estava prestes a acontecer era uma simples partida de futebol, que o resultado, seria apenas mais um resultado, no entanto, ele próprio sabia que não era, mas não podia afligir mais seus atletas. O capitão Comparato, no auge de seus 37 anos de idade, conclamou os companheiros a jogar com todo dedicação e amor que pudessem encontrar dentro de si.
Já o técnico Oduvaldo Braga, menos experiente no cargo, preparou seus jogadores para uma guerra, mas o também experiente centro avante Atílio Marcondes, tratou de esfriar os ânimos dos colegas.
A escolha do árbitro para aquela partida foi muito difícil, pois as tensões fervilhavam nos bastidores da federação e nenhum dos possíveis árbitros agradava as diretorias, até que surgiu a idéia de convidar um arbitro estrangeiro, idéia que agradou a todos. Então o senhor Arnulfo Guarín, uruguaio experiente foi convidado tendo aceitado de pronto fazer parte daquela partida.
Os times subiram para o gramado ao mesmo tempo, não se olhavam, não se cumprimentaram, não sorriram, subiram sérios e sisudos.
O Itirapinense veio escalado com o goleiro Varão, na defesa: Teleco, Pinguelo, Excelsior e Eurípedes; a dupla de meio tinha: Barão e Dionísio; Petrucchio na ponta direita, Juninho Tropeço na ponta esquerda, Verborrágico e Atílio Marcondes no ataque. (Varão, Teleco, Pinguelo, Excelsior, Eurípedes, Barão, Dionísio, Petrucchio, Verborrágico, Atílio Marcondes e Juninho Tropeço).
O Lorenense tinha no gol: Vincenzo, na defesa: Acrobata, Arturo, Hermes e Diógenes; a dupla de meio: Comparato e Adão, Cortez na ponta direita; Enzo na ponta esquerda; no ataque: Biriba e Alvismar. (Vincenzo, Acrobata, Arturo, Hermes, Diógenes, Comparato, Adão, Cortez, Biriba, Alvismar e Enzo).
Quando o relógio marcava 17 horas e 2 minutos e senhor Arnulfo Guarín assoprou seu apito e o time do Lorenense iniciou a partida. Com apenas 4 minutos de jogo o capitão Comparato lançou a bola que subiu e pousou tranquilamente no peito de Alvismar que com categoria tirou Pinguelo da jogada e tocou com classe para o fundo do gol do Itirapinense, sem chances de defesa para o goleiro Varão, 1 a 0. Itirapina estava em silêncio.
 Os minutos foram seguindo e o time do Itirapinense continuava nervoso no gramado, e Comparato continuava a desfilar com a bola nos pés, parecia um maestro regendo a maior das Orquestras e com toda esse domínio o Lorenense marcou mais dois gols, 1 com mais um passe magistral de Comparato marcado pelo ponta esquerda Enzo e outro marcado pelo próprio Comparato cobrando falta.
O torcedor do Itirapinense parecia estar vivendo um pesadelo, nem o mais pessimista imaginaria um quadro parecido com aquele, 26 minutos de primeiro tempo e o time já perdia por 3 a 0. Mas ao 29, em bela troca de passe entre Eurípedes, Dionísio e Juninho Tropeço este caiu dentro da área, o árbitro da partida anotou pênalti, meio duvidoso, mas pênalti! Atílio Marcondes, o Ferenc Puskas Caipira ajeitou a bola com o carinho que uma mãe coloca o filho para ninar, correu e não desperdiçou 3 a 1, a torcida voltou a sorrir.
O time do Lorenense continuava sendo perigoso aos 31 minutos uma troca de passe mortal entre Alvismar e Biriba só não terminou em gol porque o espetacular goleiro Varão estava lá para impedir. Varão havia passado por uma má fase, mas foi fundamental na semi final contra o time de Ourinhos garantindo o Itirapinense na final.
Aos 34 o ponta direita Petrucchio melhor jogador até então do Itirapinense na partida escapa pela direita e cruza para trás, na direção de Atílio Marcondes, que surpreendentemente fura, mas a bola sobra para Verborrágico, livre, marcar. O Itirapinense estava vivo! Verborrágico quase fora mandado embora do time porque falava demais e as vezes desagradava os companheiros, mas após um acompanhamento intensivo com um psicólogo da capital conseguiu se controlar. Mas o apelido continuou.
Mas o Lorenense não tinha apenas Comparato como grande jogador, os seus pontas eram igualmente jogadores fantásticos, o ponta direita Cortez viria a jogar em grandes clubes do Brasil, como Bangu e Botafogo de Ribeirão Preto. E em grande jogada individual marcou o 4º gol do Lorenense aos 42.
E aos 47 minutos do primeiro tempo o senhor Arnulfo Guarín deu por encerrado o primeiro tempo.
O clima de velório no vestiário do Itirapinense era assustador, Oduvaldo Braga, o técnico não encontrava palavras para tentar motivar os cabisbaixos atletas, alguns fumavam com olhar perdido, outros apenas olhavam para o chão. Juninho Tropeço, o mais jovem do time, que estava jogando apenas porque o titular do posição Damásio Alberto havia quebrado a perna três partidas antes, não se conformava com a atitude derrotada dos colegas, e tentou inflamá-los, atiçar-lhes o ego. Cobrou garra, vontade, determinação, o jogadores, o ouviram, e influenciados pelo grito da torcida, se encheram de determinação e esperança, e acima de tudo vontade de vencer.
No vestiário adversário o técnico Eurismar Ferreira tentava barrar a euforia dos atletas, e mostrar-lhes as armadilhas que o futebol é capaz de proporcionar.
Volta o segundo tempo e com um minuto de jogo, o zagueiro Excelsior aproveitando a cobrança de escanteio de Teleco diminui o placar, 4 a 3.
Mas Comparato continuava impossível e com mais uma jogada de gênio deixou Biriba na cara do gol, dessa vez não deu para Varão. 5 a 3.
O jogo caminhou com ataques de todos os lados, com as defesas e especialmente os goleiros se sobressaindo de forma divina. Nada de gols, a cidade de Itirapina estava aflita, assim como a cidade de Lorena. Em Itirapina depois de uma cabeçada a queima roupa de Atílio Marcondes que Vincenzo, interveio de maneira milagrosa, três pessoas sofreram um infarto, uma delas infelizmente faleceu no incidente.
A 27 do segundo tempo, Petrucchio em uma brilhante inversão de posição com Dionísio, apareceu no meio, livre, e chutou com toda a força que seus músculos permitiram, Vincenzo, magistral foi buscar colocando para escanteio, mais uma cobrança de Teleco, mais um gol de Excelsior. 5 a 4, faltando pouco mais de quinze minutos para o final.
Aos 35 Petrucchio encontrou Verborrágico livre dentro da área, que tratou de perder o gol. No contra ataque aos 36, gol do Lorenense, Acrobata em uma de suas raras subidas ao ataque cruzou com perfeição na cabeça de Alvismar, era o sexto gol. Praticamente o da vitoria.
Mas então, surgiu Juninho Tropeço!
Juninho aos 44 carregou a bola e chutou, o até ali perfeito goleiro Vincenzo estava desatento, 6 a 5.
No minuto seguinte, Juninho Tropeçou caçou o elegante Comparato como um leão caça uma zebra, tomou-lhe a bola, tabelou com Barão recebeu de volta frente a frente com Vincenzo, era o empate.
Ninguém mais respirava naquela altura, suspeita-se até que Deus tenha largado um pouco de seus afazeres e estava acompanhando a partida. O presidente Juscelino, colado com o ouvido no rádio, disse na sala cheia de pessoas que o próximo que fizesse qualquer ruído seria preso por traição à Pátria.
Oduvaldo Braga e Eurismar Ferreira a esta altura nada mais instruíam, nada mais cobravam de seus atletas, apenas cuidavam do coração para que este não falhasse. Nas arquibancadas silêncio absoluto, era possível ouvir os corações dos habitantes de Itirapina batendo aflitos.
Juninho Tropeço determinado recebeu a bola na esquerda de Eurípedes, driblou Cortez, escapou de Adão, Comparato já com 37 anos não conseguiu acampanha-lo na corrida, Hermes saiu da defesa com a única intenção de assassinar o rapaz com conduzia a bola nocivamente a seu gol, foi humilhantemente driblado, Juninho cortou a bola pro meio já na intermediaria e ameaçou bater, Diógenes, o último que sobrou em pé da defesa do Lorenense jogou-se para tentar evitar o chute, mas Juninho não chutou, tocou para Atílio Marcondes livre dentro de área, iria se consagrar. O Ferenc Puskas Caipira ajeitou o corpo a preparou a implacável perna direita. Deus que assistia a partida tão aflito quanto os demais cobriu os olhos para não ver, o presidente Juscelino arfava. A perna direita de Atílio enfim encontrou a bola que foi com força para o canto direito da meta, o exuberante goleiro Vincenzo atirou-se com reflexo maior do que de um gato fugindo da água. Pegou. Mas quiseram os deuses do futebol consagrar Juninho, Vincenzo desviou com a mão esquerda o tiro de Atílio, mas a bola livre para Juninho, que apenas empurrou-a para dentro do gol vazio que sorria para Juninho. Eram 48 minutos e meio.
O árbitro da partida, o senhor Arnulfo Guarín após do gol pediu a bola e deu por encerrada a partida, a torcida invadiu o gramado, repórteres corriam para entrevistar os heróis. Juninho Tropeço foi erguido ao céu pela torcida que gritava seu nome sem parar. Quando foi posto ao chão um repórter perguntou-lhe qual era a sensação naquele momento, ele respondeu dizendo que estava bastante alegre e que encontrou força no incentivo da torcida e que dedicava para o povo de Itirapina. Um comentário breve, mas emocionado.
Pelo lado derrotado, o maestro Comparato, disse que estava triste demais pela derrota, que havia sido a maior de sua carreira, mas que sabia que aquele jogo jamais seria esquecido, e por conseguinte apesar da derrota, estava feliz por poder ter participado do maior jogo de todos os tempos. Completou dizendo que sentia-se um pouco decepcionado, e que a partir daquela data nunca mais jogaria futebol.
Os jogadores do Itirapinense deram volta olímpica no gramado com a taça na mão, a torcida gritava, cantava, vibrava com a espetacular vitória.
Deus sorriu.
O presidente Juscelino dormiu com satisfação.
A cidade de Itirapina jamais se esqueceu daquela partida, durante 8 anos, até a tomada dos militares no poder, o dia 16 de maio foi feriado na cidade. Os jogadores foram elevados a heróis da cidade ganhando condecorações, bustos e todas outras homenagens que heróis merecem.
Pelos lados do Lorenense o defensor Acrobata mostrou-se completamente desiludido depois da partida, três anos após o fato, não suportando o peso da derrota, suicidou-se.
Mesmo tantos anos após aquela partida, grandes jogadores da história do futebol, tais como Rivellino, Pelé, Edu, Carlos Alberto Torres, Tostão, e muitos outros declaram que aquela foi a mais memorável das partidas, e que ela foi a inspiração maior de suas carreiras.
Fim.

Felipe Lima Rodrigues
São Paulo, 20 de abril de 2011

Se trata-se de uma ficção, e disponibilizei meu email para aqueles que quiserem me xingar tenham contato direto comigo.
felipe_l_r@yahoo.com.br

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