1 de março de 2011

Ex-Prefeito Arnoldo Luiz de Moraes obtém sentença favorável a uma nova votação de suas contas publicas de 2007 com votação aberta.

AUTOS Nº 0153-7/2011 ARNOLDO LUIZ DE MORAES impetra mandado de segurança contra o PRESIDENTE DA CAMARA MUNICIPAL DE ITIRAPINA. O impetrante foi prefeito entre 2005 2008. As contas relativas ao ano de 2007 foram julgadas pela Câmara Municipal em 21.09.10, que as rejeitou. Todavia, a votação foi secreta, o que é inconstitucional por violação (i) ao princípio damoralidade pois nada justifica a votação secreta (ii) ao princípio da simetria pois no âmbito federal a votação é aberta (iii) à segurança jurídica pois em Itirapina a votação secreta foi instituída pela Emenda nº 02 de 2010 à Lei Orgânica, não podendo alcançar contas relativas a anos anteriores. O pedido é de invalidação da votação das contas do impetrante referentes ao ano de 2007, com a imposição de ordem à autoridade impetrada a fim de que providencie nova votação, desta vez aberta, e não secreta. A autoridade impetrada prestou informações dizendo, em síntese, que não há ofensa à segurança jurídica pois que a lei processual aplica-se aos processos em curso. O Ministério Público não apresentou parecer final. É o relatório. Decido. A segurança deve ser concedida. A Carta Constitucional enuncia, explicitamente, a incidência do princípio da publicidade para o Poder Judiciário (art. 5º, LX; art. 93, IX) e Poder Executivo (art. 37, caput), silenciando, porém, em relação ao Poder Legislativo. Todavia, tal princípio vale, também, para o Poder Legislativo. A um, em razão da ligação direta do princípio da publicidade com o princípio republicano (art. 1º, parágrafo único, CF), a que se sujeitam todos os Poderes Constituídos. Se todo o poder emana do povo, é necessário que os mandatários do poder prestem contas ao seu titular – o povo -, e para tanto faz-se imprescindível a publicidade. A dois, porque apesar do silêncio constitucional, a análise sistemática dos enunciados constitucionais que cuidam do Poder Legislativo leva à conclusão de que a Constituição Federal claramente preferiu a votação aberta (= publicidade) à secreta (= sigilo). A respeito, a Constituição Federal estabelece inúmeras competências das Casas Legislativas, mas em poucas, pouquíssimas hipóteses prevê votação secreta (52, III, IV e XI; 55, § 2º; 64, § 4º), demonstrando qual a regra, e qual a exceção. Tal preferência do Poder Constituinte em relação às Casas Legislativas da União deve estender-se ao ambito da Camara dos Vereadores dos Municipios, em decorrência do princípio da simetria, várias vezes acolhido pelo Supremo Tribunal Federal (RE 317574, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, j. 01/12/2010; RE 497554, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, j. 27/04/2010; ADI 858, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, j. 13/02/2008; ADI 2029, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, j. 04/06/2007; ADI 1353, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, j. em 20/03/2003). Não se ignora lapidar precedente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que não acolheu alegação de inconstitucionalidade da votação secreta de cassação de Prefeito Municipal na cidade de Pinhalzinho (Ap. nº 9129682-50.2003.8.26.0000, 1ª Câmara de Direito Público, j. 22/04/2008, r. 28/04/2008). Todavia, se está inserida na Autonomia Municipal, sem ofensa ao princípio da simetria, prever a votação secreta para a cassação do Chefe do Executivo, o mesmo não ocorre em relação ao julgamento das contas do Prefeito Municipal. Observe-se que embora a Constituição Federal preveja votação aberta na cassação do Presidente da República, estabelece a votação secreta na cassação de Parlamentares (art. 55, § 2º), o que nos permite concluir que estender-se tal regra de sigilo, em ambito municipal, à cassação do Chefe do Executivo, não implica afastamento tão significativo dos parâmetros constitucionais. Tal não se dá, contudo, em relação ao julgamento das contas do Chefe do Executivo que, em âmbito federal é feito em votação aberta sem que haja qualquer referencial, no conjunto de normas constitucionais, em que a Camara dos Vereadores possa apoiar-se para estabelecer o sigilo de votação no mesmo caso. Além disso, não se pode ignorar que a cassação do Prefeito Municipal dá-se normalmente sob forte pressão política, sob acaloradas manifestações de toda ordem, o que, de certa forma, justifica a votação secreta para, nos termos referidos pelo relator do acórdão do Tribunal de Justiça no processo acima referido, “proteger parlamentares de pressões políticas”. Isso não ocorre, contudo, no julgamento das contas do Prefeito Municipal, em que as pressões políticas são menores e a técnica há de ser o principal critério de julgamento, sob fiscalização da sociedade civil. Com efeito, a necessidade da publicidade sobressai no caso de julgamento das contas do Prefeito Municipal, hipótese dos autos, pois nada, absolutamente nada, justifica a votação secreta em tal caso. Sobre a preferência da ordem constitucional pela votação aberta, vejamos as conclusões de ADILSON DE ABREU DALLARI (disponível na internet em http://jus.uol.com.br/revista/texto/355/voto-aberto-no-julgamento-do-chefe-do-executivo pesquisa efetuada em 20.02.2011): (...) importante, porém, é salientar que a regra geral, na Constituição Federal, é a da votação em aberto, em consonância com o princípio da publicidade, previsto no art. 37, que é aplicável a todos os Poderes, em todos os níveis de governo. Até mesmo o Poder Judiciário, neutro, isento, soberano em suas decisões, nos termos do art. 93, IX e X, está sujeito às regras da publicidade de todos os julgamentos e da motivação (explicitação dos motivos) de todas as decisões. Quanto ao Poder Legislativo, no art. 53, está prevista a inviolabilidade de Deputados e Senadores por seus votos. Evidentemente isso não seria necessário se, por estipulação regimental, o voto pudesse ser sempre secreto. Quando, para preservar a liberdade de atuação se faz necessário garantir o sigilo, a Constituição expressamente afirma que o voto será secreto, como é o caso das decisões do júri (art. 5º, XXXVIII, b). Poderá, excepcionalmente, haver sigilo, quando indispensável para preservar a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas (art. 5º, X). Há, sim, expressa previsão de voto secreto para o julgamento, por seus pares, de Deputados e Senadores, em alguns casos, conforme previsto no § 2º, do art. 55. Somente nestes casos, para evitar constrangimentos e assegurar a livre manifestação de vontade é que, expressamente, taxativamente, se estipula o voto secreto. Onde não houver previsão expressa, deverá ser observada a regra geral da publicidade. Diferentemente dos particulares, das pessoas privadas, os agentes públicos, e especialmente os titulares de mandato, devem dar satisfação de seus atos, devem estar sujeitos ao acompanhamento e controle de suas decisões. Enquanto pessoas físicas, no relacionamento social e familiar, devem ter a intimidade protegida; mas no exercício de função pública, quanto a atos praticados no exercício do mandato popular, estão submetidos à regra geral da publicidade, que é princípio fundamental da Administração Pública. Isso se aplica aos agentes públicos em geral, mas com maior intensidade ao titulares de mandatos legislativos, pois estes não atuam, decidem ou votam, senão e exclusivamente na qualidade de representantes do povo. Todo mandatário deve prestar contas de seus atos ao mandante; o titular de mandato representativo está especialmente obrigado a evidenciar sua fidelidade aos seus constituintes. Cabe lembrar que, no Brasil, ninguém pode se eleger sem estar filiado a um Partido Político. Partido é parte, facção, corrente de opinião. Ainda que (em função de interesses menores) ainda não tenha sido disciplinado o princípio constitucional da fidelidade partidária (CF, art. 17, § 1º), é certo que a inscrição eleitoral por Partido Político não pode ser havida como um nada jurídico, como se não existisse. A falta de sanção pela infidelidade não a transforma em direito; muito menos pode ser invocada como fundamento da violação ao princípio da publicidade, autorizando agir e decidir às escondidas, com potencial descumprimento do mandato representativo recebido. Em São Paulo, o art. 10, § 2º, da Constituição estipula como regra geral o voto público nas decisões da Assembléia Legislativa, mas excepciona expressamente algumas situações em que o voto secreto é essencial para evitar constrangimentos e assegurar a liberdade de manifestação, agregando, porém, a tais situações excepcionais, em descompasso com a Constituição Federal, o julgamento do Governador, situação essa na qual devem prevalecer os princípios da publicidade e da representação inerente ao mandato legislativo. Da mesma forma, a Lei Orgânica do Município de São Paulo, art. 35, determina o voto secreto no julgamento do Prefeito, em franca oposição à disciplina dada pela Constituição Federal ao julgamento do Presidente da República. A autonomia política de Estados e Municípios está limitada pela necessária observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal. Quanto ao ponto específico em exame, conforme já foi visto, a Carta Magna estipula que o voto será secreto exclusivamente no julgamento de parlamentares por seus pares, mas não autoriza o julgamento sigiloso do Chefe do Executivo. É irrecusável, portanto, que tanto a Constituição Estadual quanto a Lei Orgânica Municipal, ao estabelecerem o voto secreto no julgamento, respectivamente, do Governador e do Prefeito, apresentam vício de inconstitucionalidade” Por tais suficientes fundamentos, impõe-se a concessão da ordem. Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA e: INVALIDO o julgamento das contas relativas ao exercício de 2007 dexercido pelo impetrante; DETERMINO à autoridade impetrada que providencie nova votação, desta vez aberta, e não secreta. Sem condenação em honorários (art. 25, Lei nº 12.016/2009). Transcorrido o prazo do recurso voluntário, remetam-se ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o reexame necessário, nos termos do art. 14, § 1º da Lei nº 12.016/2009. Int. Itirapina, 21 de fevereiro de 2011. Daniel Felipe Scherer Borborema Juiz de Direito.
Estrado do site do Tribunal de Justiça de São Paulo

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